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Revogação da reforma trabalhista? O caminho da luta de classes

O dia Primeiro de Maio tem sido comemorado anualmente pelos trabalhadores do mundo inteiro desde 1890 – por iniciativa da Internacional Socialista – como um dia internacional de luta por suas reivindicações enquanto classe. Assim tem sido igualmente no Brasil - porém esse sentido tem dependido do grau de consciência e organização alcançado ao longo do tempo.


Neste ano de 2023, em São Paulo (capital), dirigentes das centrais sindicais dividiram o palanque com Lula e seus ministros no ato oficioso do 1º de Maio por “Emprego, Direitos, Renda e Democracia”. Sérgio Nobre, presidente da CUT, afirmou ao presidente da República que o movimento sindical realizará campanha permanente contra os juros altos, porque o Banco central está “sabotando o crescimento do país com a taxa de juros de 13,75%”. Palavras que Lula não poderia dizer com essas letras para não desagradar o capital financeiro, mas por ele endossadas na defesa de um “conserto” do Brasil, com a vinda de investimentos estrangeiros para obras de infraestrutura capazes de gerar empregos.


Nesse mesmo dia, a CSP-Conlutas e outras entidades realizaram um ato próprio em defesa da independência da classe na Praça da Sé. Essa também foi a perspectiva da Intersindical – instrumento de luta e organização dos trabalhadores que, no ato de 1º de Maio em Campinas, destacou a mobilização dos trabalhadores contra os ataques do capital ocorrida neste dia em todo o mundo e, no Brasil, onde:


Nós não podemos abandonar a pauta da revogação da reforma trabalhista e da reforma previdenciária, precisamos colocar a classe trabalhadora em movimento e pressionar por nossos direitos sejam devolvidos.


Ir para a luta, ir para a rua – essa convocação ressoou nos diversos discursos da marcha para o ato na praça. E novamente se falou em greve geral. Será esta uma possibilidade concreta?


Antes de mais nada, devemos lembrar que revogação da reforma trabalhista (lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017) foi de fato abandonada há bastante tempo, desde o momento em que, encaminhada pelo governo Temer, foi aprovada pelo Congresso Nacional. As centrais sindicais se apresentavam inclusive divididas quanto aos tópicos da Reforma, a exemplo da Força Sindical – que defendia a “terceirização” – enquanto a CUT era aparentemente contrária [1], mas defendia a prevalência do negociado sobre o legislado, no que, aliás, seguia a Força Sindical. Quando o assunto voltou à cena no final da campanha eleitoral de Lula, a revogação da reforma ficou fora da pauta devido à reação do capital financeiro e ao “arco de alianças” com os partidos de direita para eleger-se para a Presidência da República. Obviamente, qualquer apoio crítico à candidatura de Lula esbarraria nesta limitação.


Revogar significa fazer cessar a vigência de uma norma, decreto ou lei, parcialmente ou na totalidade. Quem pode assumir essa posição no Estado burguês é o Congresso Nacional, mesmo quando o presidente da República apresenta um projeto de lei substitutivo. De qualquer modo, podemos afirmar que a revogação da reforma trabalhista é um objetivo possível de ser alcançado na conjuntura, ou seja, está de acordo com as relações de força vigentes? Caso não, qual é a alternativa?


Quando examinamos a conjuntura a partir “de cima”, da classe dominante, devemos considerar a posição dos órgãos fundamentais do seu Estado.


A reforma trabalhista foi celebrizada pela burguesia como um marco legal conquistado na ofensiva contra os trabalhadores, acentuada a partir de 2016. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) deu o tom no estudo 5 anos da Modernização Trabalhista, denominando esse marco legal de “modernização trabalhista”. Caracteriza as modificações na Consolidação das Leis do Trabalho como uma atualização legislativa para “a realidade produtiva e de trabalho”, ou seja, medidas voltadas para a exploração mais intensiva e extensiva da força de trabalho pelo capital. Dentre as medidas, coloca em destaque a prevalência do negociado sobre o legislado (negociações diretas), aliás, defendida, como já citado, pela CUT, “regras sobre compensação de jornada e banco de horas” e, “de forma expressa, a possibilidade de terceirização de qualquer atividade pelas empresas”. A CNI chama atenção para o fato de que o Supremo Tribunal Federal (STF), instado a manifestar-se sobre a constitucionalidade de 14 matérias em mais de 50 processos, tem se manifestado amplamente em favor da reforma trabalhista. É o que dá ao Congresso Nacional legitimidade para abrigar-se atrás da lei em defesa dos “interesses nacionais” (do capital, bem entendido). Então o que as classes trabalhadoras têm de enfrentar é um novo patamar de exploração legalmente instituído, com direito a menos.


O STF é uma instância política que toma decisões jurídicas em favor da melhor ordem da burguesia em cada momento. Para favorecer o enquadramento dos sindicatos em favor do “crescimento do país” (ou seja, dos lucros dos capitalistas) sem a manifestação da luta de classes, está encaminhando um julgamento para permitir aos sindicatos descontar a “taxa negocial” dos trabalhadores das categorias que formalmente representam (no Brasil essa representação em cada município é garantida por um único sindicato), mesmo sem estarem sindicalizados. Trata-se de um modo a facilitar o papel dos sindicatos em desmobilizar os trabalhadores de seus interesses específicos, a favor do assistencialismo.


Ao examinar a posição das classes trabalhadoras, dos que estão “em baixo” da escala social, na base da pirâmide da sociedade, cujo trabalho a sustenta, constatamos uma situação de apatia generalizada, de descrença em suas próprias forças. Não por acaso, pois as organizações que deveriam defender seus interesses silenciaram ao longo dos anos e entregaram ao novo governante as decisões do que fazer. Daí que uma parte dos trabalhadores (sobretudo a ampla massa de desempregados e semi-ocupados, dependentes programas como Bolsa Família) deposite a esperança do emprego anunciada nos investimentos em infraestrutura e, com a aceleração econômica, de aumentar sua renda e participar do “mercado de consumo”. Ou, na visão petista durante o governo Dilma Rousseff, de integrar uma nova “classe média”. Age, portanto, como uma massa de apoio às forças governamentais e aos círculos sindicais e partidários de sua confiança.


Nosso entendimento do discurso presidencial dirigido à parcela dos trabalhadores que constituem a massa sindicalizada, no 1º de Maio deste ano, é simplesmente o seguinte: trabalhem duro e bastante para “consertar” o Brasil, de modo que vocês, empregados, venham a ter direito à participação nos lucros das empresas e outros benefícios. Deixem que nós, do governo, vamos atrás de permitir que no futuro os trabalhadores não tenham mais de descontar Imposto de Renda da PLR.


O caminho da luta é, portanto, difícil, cheio de pedregulhos. Mesmo assim, corre por baixo dos nossos pés como um rio subterrâneo, pois as contradições entre o capital e o trabalho continuam a se desenvolver, envolvendo desde a questão do tempo de duração de um processo na linha de montagem, medido em segundos, até a necessidade de garantir a própria manutenção da renda do trabalho ameaçada pela inflação.


A realidade, sem as promessas de melhoria amanhã em razão de investimentos capitalistas, é indisfarçável: a proporção dos trabalhadores que ganha salário mínimo tem aumentado constantemente. É o que se pode constatar no estudo abaixo, publicado na matéria País do salário minimo.

Uma parte reduzida dos trabalhadores, a que compõe a classe operária empregada nas grandes empresas do ramo metalúrgico, tem um salário médio um pouco acima do piso salarial (salário inicial) estimado em média em R$ 2.500,00 (frente a um salário mínimo de R$ 1.302,00). O salário médio nas montadoras de automóveis e caminhões, por exemplo, está em torno de R$ 3.500,00. Para se ter uma noção do quanto o salário está defasado em relação às necessidades de uma família de quatro pessoas, o DIEESE estimava que o salário mínimo necessário deveria ser, em março de 2023, de R$ 6.571,52!


O enfrentamento dessa situação material extremamente grave é o desafio das organizações sindicais que ainda se posicionam numa perspectiva de independência de classe, a exemplo da Intersindical e da Conlutas. O caminho passa pelo trabalho diário para se atingir aumentos de salário e redução da intensidade do trabalho, para incluir os terceirizados como parte das categorias nas lutas, para reduzir a jornada de trabalho. Assim é que se enfrenta de fato, na prática, as limitações legais impostas pela reforma trabalhista, preparando as condições para a mudança da lei. Cria-se, nesse processo, a base comum para a futura unificação dos interesses dos operários entre as empresas de uma categoria e entre as diversas categorias do ramo industrial. Então é possível de fato questionar a atitude de conciliação com o patronato praticada pela maioria do movimento sindical, permitindo que o operariado faça seu próprio aprendizado e venha a conquistar, na luta, a sua independência como classe. O exemplo repercutirá nas bases do movimento sindical subordinado ao governo. Que também despertará os demais trabalhadores a desafiar a ordem do capital.

[1] Aparentemente contrária apenas: vale apontar o assombroso aumento da terceirização na Petrobrás nos governos do PT, tanto mais notável após o “pré-sal”: o pessoal terceirizado passou de 47 mil trabalhadores no ano de 2000 para mais de 360 mil em 2013. O mesmo ocorreu em outros setores onde a presença da CUT era marcante, como os de energia elétrica, siderurgia e bancários.

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