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IA e a estreita bitola de medição da riqueza no capitalismo - parte 1



Figura 1 - Clem Rutter, Rochester, Kent. - Domínio público

Figura 2 - Screenshot do programa ELIZA a conversar com um interlocutor humano em Emacs


A Inteligência Artificial Generativa entrou em moda – e de modo avassalador, em nossas mentes. A inquietação assustada frente às implicações desta nova tecnologia em termos de desemprego em massa inimaginável tem sido comparada ao medo dos artesãos das máquinas nos primórdios da revolução industrial na Inglaterra, entre fins do século XVIII e início do XIX, e das revoltas de destruição do maquinismo conhecidas como “ludismo”.


O processo está apenas começando, mas o “Ocidente sofre de pouca e não de muita automação”, afirma The Economist.[1] Contudo, sites dedicados ao assunto e “especialistas” variados apresentam geralmente, contra o alarmismo, uma pergunta aparentemente convincente (a exigir resposta positiva é claro), no balanço dos prós e contras: Você não imagina mais a sua vida sem tecnologia, não é mesmo? A questão precisa ser reformulada, pois já vivemos permanentemente com tecnologia em nossa vida há muito tempo e diariamente quando, por exemplo, pesquisamos tópicos de nosso interesse nos sites de busca.


Naomi Klein, em artigo recente[2] traduziu os sentidos de uma vida totalmente controlada pelas empresas capitalistas da tecnologia da IA, desde a linguagem e suas alucinações distorcidas até os mitos de benefícios à humanidade (controle ambiental, fim do trabalho tedioso e da pobreza) disseminados pelas grandes corporações (as Big Techs) apoiadas pelo capital de risco do Vale do Silício, sem deixar de denunciar o saque colossal, verdadeiro roubo de textos e imagens na internet praticado pelos arquitetos e impulsionadores da IA.[3] Aliás, este último aspecto acendeu o sinal vermelho de milhares de empresas e empreendedores privados, obrigando os governos a intervir e regulamentar. O direito de propriedade fala sempre mais alto.[4]


Importante assinalar, desde já, para ser retomada adiante, a questão fundamental: a relação entre o desenvolvimento exponencial da IA e as mudanças na esfera da produção, com as implicações em termos de aumento da exploração da força de trabalho (mais-valia) de um lado e desemprego de outro, pois é nesse plano que, afinal das contas, as conquistas da nova tecnologia precisam ser validadas ou medidas; isso porque seu uso pressupõe a taxa de lucro – o móvel do sistema capitalista, baseado na mais-valia. Tal relação nunca é, contudo, totalmente econômica: implica sempre a intervenção do Estado e, portanto, do regime político dentro do qual funciona e serve de mecanismo de defesa em última instância.


Teremos forças para impedir essa realidade aparentemente irresistível? Depois de entendermos o que está em jogo, a pergunta correta parece-nos ser outra: é possível construir uma alternativa? Vale apresentar aqui alguns comentários antes de esboçar uma tentativa de resposta, uma vez que se trata de estudar o assunto com a devida atenção às fontes.


1. O determinismo tecnológico e sua crítica


Por isso, vale assistir a entrevista com Miguel Nicolelis sobre o tema.


Nicolelis começa por uma definição sobre o que venha a ser IA, assinalando a iniciativa de Norbert Wiener com a chamada Cibernética, uma obra datada de 1948.[5] Adiante, na entrevista, Nicolelis afirma que a inteligência é uma propriedade dos organismos vivos e não um produto de artefatos criados pelos seres humanos. O que se denomina IA consiste em “sistemas computadorizados baseados em grandes bancos de dados, com recurso à análise estatística para organizar e extrair uma estimativa ou uma “predição”.[6] O que nos conduz diretamente ao ponto: a IA tenta criar uma imagem de futuro baseada no presente/passado. O autor chama essa tentativa de perseguir o experimento conhecido como Demônio de Laplace, expressão que designa uma replicação de tendências do presente/passado projetadas para o futuro de modo determinista[7] e – acrescentamos – sob o comando das relações sociais capitalistas.


A propósito, Marx e Engels apresentaram, no Manifesto do Partido Comunista, a compreensão do tempo social no capitalismo como permanente revolução dos instrumentos de produção promovida pela burguesia enquanto condição de sua própria existência: A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção e, com estas, todas as relações sociais.


Apenas em O Capital, publicado em 1867, Marx desenvolverá com maior clareza essa tese. No capítulo 23, dedicado à “Lei Geral da Acumulação Capitalista”, Marx examina, em vários tópicos, a influência do aumento do capital sobre o destino da classe trabalhadora. Com a ampliação progressiva da maquinaria, na forma de sistemas automatizados, e dos métodos de produção correspondentes, aumenta a produtividade do trabalho social; mas esse capital cada vez maior pode ser colocado em movimento mediante uma ocupação decrescente de força de trabalho; ou seja, emprega e desemprega, para nos referirmos na terminologia usual de nossos dias, como veremos adiante.


Esse processo inclui o chamado desenvolvimento tecnológico, identificado nos meios e métodos de produção ou do “capital constante” investido nestes. Aqui é onde entra a constante revolução nesses meios, atualmente denominada de manufatura avançada ou indústria 4.0, inclusive a Inteligência Artificial Generativa[8], caracterizando um amplo processo de automação nas condições de acumulação de capital.


Do ponto de vista capitalista, aumentar a automação (inclusive mediante aplicações da IA) depende da avaliação do investimento realizado com a produção de autômatos compensar o valor da força de trabalho (salário) substituído com a sua aplicação. Ou seja, tem de ser menor do que o salário, de modo que a automação venha a poupar a parcela do trabalho pago para ampliar o trabalho não pago ou excedente, ou mais-valia. Importante ressaltar que a automação em suas diferentes formas (digitalização, robotização, inteligência artificial) não substitui o trabalhador em geral, mas o valor da força de trabalho. O desemprego é a mola da acumulação de capital desde o surgimento do capitalismo, funciona como mecanismo para o rebaixamento dos salários.[9]


Um exemplo interessante nesse sentido merece ser extraído do artigo da revista The Economist acima citado: “A Robert Chicken usa braços robóticos para operar suas fritadeiras em seus restaurantes fast-food; para manter baixo o investimento inicial dos franqueados, a empresa aluga os robôs para eles por cerca de US$ 900 por mês, substancialmente menos do que o custo de um operador humano.” Quer dizer, a opinião sugere que o valor de produção dos autômatos deve ser menor do que o valor da força de trabalho que ele (autômato) substitui com sua aplicação.

É sob esse prisma que devemos, portanto, entender a Inteligência Artificial, um dos componentes integrativos da assim chamada 4ª revolução Industrial ou “Indústria 4.0”, ao lado dos bancos de dados, dos robôs autônomos, da internet das coisas e da realidade aumentada.


Como a chamada quarta revolução industrial, baseada na “indústria 4.0”, está acontecendo concretamente? De que forma os trabalhadores se posicionam diante dela? Para conhecer esse processo e a luta implicada, precisamos examinar as realidades nacionais.


Acesse aqui a continuação.


Eduardo Stotz




Notas:

1 The Economist, 6 de março de 2023: “Não tema um apocalipse de empregos induzido por IA ainda”.

3 O caráter vazio e manipulatório das declarações das empresas quanto ao fim do trabalho tedioso pode ser comprovado no momento atual pela existência do trabalho penoso dos “turkers” para viabilizar o projeto das Big Techs de saquear todo o conhecimento existente na internet ao seu alcance. Ver: “A IA: o ser humano por trás das máquinas”. Por outro lado, as promessas realizáveis sob a lógica capitalista obviamente estão ao alcance das classes médias aquinhoadas em todo o mundo. Um exemplo é o lançamento futuro de um automóvel que sairá das linhas de produção com painel voltado ao entretenimento e equipado de tecnologias de direção autônoma. Notícias sobre acordos de parceria entre a General Motors e a OpenAI e entre a Mercedes Benz e a Tik Tok estão disponíveis em https://automotivebusiness.com.br.

4 A aguçada concorrência entre as Big Techs (Google versus Microsoft) levou a proposta de moratória tecnológica numa carta assinada até por nomes como o de Elon Musk (Tesla, Twitter, SpaceX). O acirramento provavelmente tem a ver com as polpudas compras governamentais de equipamento militar propiciadas pelo agravamento dos conflitos geopolíticos entre os EUA/OTAN e Rússia e China.


5 A obra Cybernetics: or control and communication in the animal and the machine é considerada seminal para a IA na medida em que abriu um espaço transdisciplinar das ciências exatas, humanas e biológicas.


6 O grande impulso da IA ocorreu com o desenvolvimento de sistemas de navegação na internet comercial, incialmente mediante o uso de ferramenta baseada em programas para analisar os dados da rede e sua classificação em grupos de interesse predeterminados. Foi o que tornou o Google mundialmente conhecido como mecanismo de busca. As mudanças ocorridas no processo de automação que permitiram tais avanços podem ser reunidas nos sistemas de navegação da internet, na conectividade digital das máquinas que permitiram automatizar processos operados por “robôs” e da capacidade das máquinas de aprender (Machine Learning), baseada em algoritmos e modelos matemáticos capazes de extrair ou reconhecer padrões em um conjunto de dados (Big Data). Para quem gosta de ficção científica, recomendamos a leitura do conto Pesquisas preliminares, de Ilya Varnavsky, traduzido da língua russa para a portuguesa em 1970 pela Editora Mundo Musical, acessível aqui.

7 O Demônio de Laplace é um experimento mental concebido pelo físico Pierre Simon Laplace: de posse de todas as variáveis que determinam o estado do universo em um instante t, ele pode prever o seu estado no instante t’ >t. Fonte: Wikipedia

8 Para uma compreensão inicial acesse aqui.

9 Uma taxa de desemprego muito baixa sempre representa um sinal de alarme para o capital: indica que o ciclo de acumulação, encontrando-se no limiar da superprodução, está derrubando a taxa de lucro. O sinal é captado pela autoridade monetária dos governos burgueses na forma de inflação, levando ao aumento da taxa de juros com a consequente desaceleração econômica e, desse modo, as demissões permitem retomar o ciclo econômico da acumulação em novo patamar de exploração da força de trabalho.
















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